Um mendigo dos arredores de Madri esmolava nobremente. Disse-lhe um
transeunte:
— O sr. não tem vergonha de se dedicar a mister tão infame,
quando podia trabalhar?
— Senhor, – respondeu o pedinte – estou lhe
pedindo dinheiro e não conselhos. – E com toda a dignidade castelhana virou-lhe
as costas.
Era um mendigo soberbo. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia
esmola por amor de si mesmo, e por amor de si mesmo não suportava
reprimendas.
Viajando pela Índia, topou um missionário com um faquir
carregado de cadeias, nu como um macaco, deitado sobre o ventre e deixando-se
chicotear em resgate dos pecados de seus patrícios hindus, que lhe davam algumas
moedas do país.
— Que renúncia de si próprio! – dizia um dos
espectadores.
— Renúncia de mim próprio? – retorquiu o faquir. – Ficai
sabendo que não me deixo açoitar neste mundo senão para vos retribuir no outro.
Quando fordes cavalo e eu cavaleiro.
Tiveram pois plena razão os que
disseram ser o amor de nós mesmos a base de todos as nossas ações – na Índia, na
Espanha como em toda a terra habitável.
Supérfluo é provar aos homens
que têm rosto. Supérfluo também seria demonstrar-lhes possuírem amor próprio. O
amor próprio é o instrumento da nossa conservação. Assemelha-se ao instrumento
da perpetuação da espécie. Necessitamo-lo. É-nos caro. Deleita-nos – E cumpre
ocultá-lo.
sexta-feira, 25 de dezembro de 2020
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